sexta-feira, 28 de junho de 2013

Do mirante de sua alta vila, admirava os benfeitores lá embaixo, donde se viam bolinhas andantes no meio de fagulhas e luz. 
Descansava impávido em seu trono de madeira de lei talhado à mão por seu bisavô paterno que havia passado seus últimos dias agarrado à última peça que confeccionara: uma cruz de madeira com Nosso Senhor Jesus Cristo cravado.
Usava uma almofada de veludo vinho para o assento e outra do mesmo tom e tecido para se sentar e recostar. Assim mantia para si mesmo seu ar de realeza.
Era solitário, porém. Nos seus quase quarenta anos tinha vivido muitas experiências que poderiam ser multiplicadas por si mesmas se ao menos se permitisse se entregar mais.
Ouro de tolo, era o que guardava nos bolsos da recordação.
Quisera ele nascer de novo. Não queria. Quisera ele ser diferente. Não conseguia. Quisera ele morrer, enfim. Não podia.
Então, foi se enovelando por ali mesmo, até onde podia alcançar debaixo e em cima, e foi tecendo, em lã vermelha, o ninho da sua vida.
Como as crisálidas, pensava em se transformar. Não instintivamente como elas, mas conscientemente, racionalmente e intencionalmente. Como um ser humano que pensa, analisa e se vê refém de sua própria escolha.
As pessoas de uma certa forma, o ensinaram a morrer um pouco. Deveria ser o contrário, mas os encontros do coração o deixavam tão vivo e tão perto de si mesmo que era como estar na ponta de uma pedra que beira o abismo.
Nesse abismo de si mesmo, dentro de si, teceu também um casulo. Para guardar sentimentos preciosos; era a sua caixinha de jóias. Quando a abria, nela dançavam bailarinas flutuantes vestidas em azul turquesa e pastel. Também de lá, saíam sorrisos despretensiosos e alvoroços de coração.
De vez em quando achava oportuno olhar o que tinha lá dentro. E vez ou outra ela se abria sozinha, quando menos queria. Para conter esse abuso, enovelava com mais rapidez, fazendo uma nova camada por cima daquela do casulo já tecido.
O medo e a angústia faziam parte dele desde muitos anos, de modo que não conseguia mais se lembrar quando foi que eles viraram um só.
O amor é coisa de gente doida. E não queria enlouquecer enquanto não estivesse mesmo perto de conseguir a cura.
Deixou sua barba crescer e por trás dela vinham sentimentos ocultos. Como uma máscara, o tecido de pêlos também era um protótipo de novelo e ali se enclausurava e criava a imagem de um homem só.
Coragem era o que lhe faltava não porque não a tivesse, mas porque fora roubada dele covardemente. Talvez se a devolvessem ele pudesse deixar o rosto nu.
Tanto frio fazia naquela manhã que não foi capaz de sair da cama antes que o sol fizesse bater as doze badaladas. Veio uma onda de calor e ele pulou da cama enevoado. Havia sonhado demais naquela noite. E ficou remoendo os sonhos por todo o dia até que escureceu. Foi até a varanda e esticou o braço para sentir o tempo. O ar estava quase fresco. Era inverno também.
Se apoiou no parapeito e ficou com o olhar parado por muitos instantes, dissolvendo a sua visão em desfocos de luz.
Sorveu o ar com a boca bem aberta e deu um grito de anunciação.
Para rebentar com o ninho não ia ser fácil, a não ser que fosse com confusão. Deu várias voltas, caiu no chão, quase se levantou, ficando de cócoras. Deu um imenso suspiro e voltou ao estado ereto.
Tudo continuava o mesmo. As pessoas lá embaixo, as luzes, as vidas escorrendo por entre o tráfego insano, as ruas escoando carros e gentes.
Agora tudo era normal.

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